A Verdadeira História do ProÁlcool |
A possibilidade de usar o álcool da cana-de-açúcar como combustível automotivo é conhecida há mais de um século, mas até os anos 70 a disponibilidade de derivados de petróleo e o preço baixo desincentivaram seu emprego. Em outubro de 1973, o cenário mudou e o mundo se viu ante o risco de desabastecimento energético. Foi o primeiro choque do petróleo que reacendeu o interesse mundial por fontes alternativas de energia e levou vários países a buscarem soluções mais adequadas, considerando as peculiaridades nacionais. A crise internacional elevou os gastos do Brasil com importação de petróleo de US$ 600 milhões em 1973 para US$ 2,5 bilhões em 1974. O impacto provocou um déficit na balança comercial de US$ 4,7 bilhões, resultado que influiu fortemente na dívida externa brasileira (da época e futura) e na escalada da inflação, que saltou de 15,5% em 1973 para 34,5% em 1974. Preocupado em preservar as principais metas do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, conter a inflação, manter o crescimento acelerado e conservar o equilíbrio do balanço de pagamentos, o general Ernesto Geisel, ainda na condição de futuro presidente da República, solicitou ao então diretor comercial da Petrobrás e futuro ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki, que consultasse o setor privado sobre a questão. Ueki entrou em contato com vários empresários, principalmente Lamartine Navarro Jr., como menciona o professor da Unicamp José Tobias Menezes no seu livro Etanol, o Combustível do Brasil, solicitando que estudasse a utilização de fontes não convencionais de energia para fornecer subsídios ao novo governo. A Associação das Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Associgás) se transformou no fórum de debates sobre a crise do petróleo, sob a coordenação do mencionado Lamartine Navarro Jr., que contara com a colaboração do engenheiro Cícero Junqueira Franco, grande especialista em tecnologia de produção de álcool, além de acadêmicos e usineiros de São Paulo. A conclusão do grupo resultou no documento intitulado Fotossíntese como fonte de energia, entregue ao Conselho Nacional de Petróleo em março de 1974, que se tornaria a semente do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). O estudo combinava as preferências do Instituto do Açúcar e do Álcool pela produção de álcool direto em destilarias autônomas e da Copersucar, pelo aproveitamento da capacidade ociosa das destilarias anexas às usinas açucareiras. O álcool, que sempre fora considerado subproduto do açúcar, passou a desempenhar papel estratégico na economia brasileira e, diante do sucesso da iniciativa, deixou de ser encarado apenas como resposta a uma crise temporária, mas como solução permanente, quando vozes autorizadas, ainda na esteira da crise, alertaram o mundo para o risco das reservas petrolíferas, lembrando que não seriam eternas. Durante visita ao Centro Tecnológico da Aeronáutica, em junho de 1975, em São José dos Campos, o então presidente Geisel demonstrou especial interesse nos trabalhos desenvolvidos pelo professor Urbano Ernesto Stumpf sobre a adaptação dos motores para uso da mistura gasolina-álcool e da conversão desses motores para uso exclusivo do álcool. Segundo Stumpf, a impressão que o presidente teve sobre a viabilidade do uso do álcool como combustível foi decisiva para que o governo federal se posicionasse, definitivamente, a favor do Proálcool. Na época, o Brasil já tinha um setor açucareiro desenvolvido, terras propícias à cultura, clima adequado, muita mão-de-obra disponível no campo e experiência na fabricação de álcool industrial, do qual já era grande produtor-exportador. Recém-modernizado, o setor açucareiro também registrava elevada capacidade ociosa, que poderia ser reduzida com a produção de álcool combustível, que proporcionaria flexibilidade da produção de açúcar para exportação. Depois de intensos estudos e debates, o governo federal instituiu o Proálcool (Decreto nº 76.593, de 14/11/1975), há três décadas, portanto. Os principais efeitos do uso do álcool (puro ou misturado com gasolina) nos centros urbanos foram a eliminação do chumbo na gasolina e a redução das emissões do monóxido de carbono. A área ocupada pela cana, hoje, é de apenas 0,6% do território nacional e as áreas aptas para a expansão desta cultura são de mais de 12%. A substituição da gasolina pelo álcool no período 1976-2004 representou uma economia de US$ 61 bilhões (dólares de dezembro) ou US$ 121 bilhões (com os juros da dívida externa). Passados 30 anos após de sua criação, o Proálcool ensejou a geração de cerca de 1 milhão de empregos diretos no País e alguns milhões de indiretos - aproximadamente 80% deles na área agrícola. Ademais, os custos de produção do açúcar e do álcool nas indústrias brasileiras mais eficientes são competitivos com o açúcar da beterraba na Europa ou do álcool de milho americano. Da mesma forma, o álcool da cana é competitivo com a gasolina derivada do petróleo, existindo possibilidades favoráveis do aumento desta competitividade nos próximos anos, quando o preço do combustível fóssil já supera US$ 60/barril. Luiz Gonzaga Bertelli, diretor titular adjunto de Energia do Depto. De Infra-Estrutura da Fiesp, é presidente da Academia Paulista de História. Publicado em: O Estado de S. Paulo |